A manhã de 24 de novembro de 2025 amanheceu mais silenciosa para a música mundial. Jimmy Cliff, um dos maiores nomes da história do reggae, morreu aos 81 anos em sua residência em Kingston, capital da Jamaica.
A notícia foi confirmada em um comunicado emocionado divulgado nas redes sociais oficiais do artista por sua esposa, Latifa. Segundo a nota, Cliff sofreu uma convulsão que evoluiu para um quadro de pneumonia, o que levou ao óbito.
Latifa expressou profunda tristeza e agradeceu à equipe médica, liderada pelo Dr. Couceyro, e a todos que compartilharam a jornada com o artista. “Aos fãs ao redor do mundo, saibam que o apoio de vocês foi sua força durante toda a carreira. Ele valorizava profundamente o amor de cada um”. Ela também solicitou respeito à privacidade da família neste momento de luto. O comunicado, assinado também pelos filhos Lilty, Aken e Nabiyah Be, informou que detalhes sobre cerimônias e homenagens póstumas seriam divulgados posteriormente.
A morte de Cliff encerra uma trajetória que ajudou a transformar o reggae em um fenômeno global. Embora boatos sobre o falecimento do artista tenham surgido em momentos anteriores (como em 2015), a confirmação de 2025 mobilizou imediatamente fãs, músicos e personalidades em uma onda global de comoção.
- C6 FEST 2026: Robert Plant, Paralamas, Beirut e line-up histórico
- Lynyrd Skynyrd e Guns N’ Roses confirmados no Monsters of Rock 2026: Veja a data, local e venda de ingressos
- Information Society, Thea Austin (SNAP!) e Noel no Brasil: tudo o que você precisa saber
Quem foi Jimmy Cliff e por que ele é o arquiteto do Reggae?
Nascido como James Chambers em 30 de julho de 1944, em Saint James, Jamaica, o artista demonstrou talento musical desde a infância, participando de feiras e eventos culturais locais. Aos 14 anos, mudou-se para Kingston, adotando o nome artístico Jimmy Cliff.
Na capital jamaicana, ele conheceu o produtor Leslie Kong, figura responsável por impulsionar sua carreira inicial. Seu primeiro grande sucesso foi com o single “Hurricane Hattie”, seguido por hits locais como “King of Kings” e “Dearest Beverley”.
Em 1964, Cliff foi escolhido para representar a Jamaica na Feira Mundial de Nova Iorque, um evento que ampliou sua visibilidade internacional. No mesmo ano, assinou contrato com a Island Records e se mudou para a Inglaterra, com o objetivo de consolidar o reggae além das fronteiras jamaicanas. Cliff é considerado um dos pioneiros que pavimentaram o caminho para a internacionalização do gênero, antes mesmo da explosão de Bob Marley.
O legado musical universal de Jimmy Cliff
O salto definitivo para o estrelato global ocorreu no final dos anos 1960. O single “Wonderful World, Beautiful People” (1969) alcançou o Top 30 nos Estados Unidos, sendo um dos primeiros reggaes a se tornar conhecido fora da Jamaica.
A força de suas mensagens sociais e de protesto se consolidou com “Vietnam” (1970), uma canção que Bob Dylan classificou como “a melhor música de protesto que já ouvi”. Sua versatilidade era notória, transitando entre reggae, ska, rocksteady, pop e música eletrônica, mas sempre mantendo a essência de mensagens espirituais, sociais e de esperança.
A discografia de Jimmy Cliff é vasta, contando com mais de 30 álbuns de estúdio. Entre seus trabalhos mais importantes estão:
- Hard Road to Travel (1967): Marcou o início da projeção global.
- The Harder They Come (Trilha Sonora) (1972): Um clássico fundamental para a popularização mundial do reggae.
- Cliff Hanger (1985): Vencedor do Grammy.
- Rebirth (2012): Também premiado com o Grammy.
- Refugees (2022): Seu último álbum lançado, com reflexões sobre migração e justiça social.
A atemporalidade de sua obra é comprovada pelos números atuais de streaming; a canção “I Can See Clearly Now” (1993), um cover de Johnny Nash, lidera com mais de 220 milhões de streams no Spotify, impulsionada pela inclusão na trilha sonora do filme Jamaica Abaixo de Zero.
Qual o impacto do filme ‘The Harder They Come’ na carreira de Cliff?
Um divisor de águas na carreira de Cliff foi o filme “The Harder They Come” (1972), dirigido por Perry Henzell. Cliff não apenas protagonizou o longa no papel de Ivanhoe Martin, mas também assinou a trilha sonora icônica.
O filme, além de retratar a dura realidade social da Jamaica, serviu como um “cartão de visitas” da ilha para o planeta, popularizando o reggae e a cultura rastafári. A trilha sonora inclui faixas essenciais do seu repertório, como:
Cliff também atuou em outros filmes como Club Paradise (1986), ao lado de Robin Williams, e Marked for Death (1991).
Jimmy Cliff no Brasil: uma história de amor e a filha Nabiyah Be
A relação de Jimmy Cliff com o Brasil é descrita como profunda e duradoura. Sua conexão começou em 1968, quando participou do Festival Internacional da Canção no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, defendendo a música “Waterfall”. Inspirado pela energia local, ele compôs Wonderful World, Beautiful People logo após essa visita e gravou o LP Jimmy Cliff in Brazil.
Durante os anos 1980, Cliff tornou-se uma figura constante no país, chegando a morar no Rio de Janeiro e em Salvador por um período. Sua presença era tão frequente que, entre fãs cariocas, virou folclore a ideia de que bastava caminhar pela Zona Sul para encontrá-lo.
O que Jimmy Cliff falava sobre o Brasil?
O artista sempre declarou seu amor pelo Brasil, afirmando sentir falta do Rio e da “africanidade da Bahia”. Ele via no estado baiano um reencontro espiritual e artístico com a história da diáspora africana. Foi em Salvador, em 1992, que nasceu sua filha, Nabiyah Be, fruto do relacionamento com a psicóloga Sônia Gomes da Silva.
Nabiyah, que é cantora e artista visual, chegou a integrar o elenco da produção “Daisy Jones and the Six” e o filme Pantera Negra, revelando que seus pais se conheceram em Salvador, apresentados pela atual ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes, em uma cerimônia de ayahuasca na praia.
Colaborações e tributos no Brasil
Cliff estabeleceu importantes laços artísticos no país:
- Gilberto Gil: Em 1980, realizou uma turnê histórica com Gil, lotando estádios em cinco capitais, incluindo a gravação do especial “Gilberto Passos Gil Moreira e James Chambers”.
- Titãs: Participou do Acústico MTV da banda, cantando a versão brasileira de “The Harder They Come”, intitulada “Querem Meu Sangue”.
- Música Afro-Brasileira: Gravou o álbum Breakout (1992) na Bahia, com participações de Olodum e Araketu.
- Novelas: Teve canções incluídas em trilhas sonoras brasileiras, como “Rebel In Me” em Rainha da Sucata (1990) e “Hot Shot” em Ti Ti Ti (1985).
Prêmios e reconhecimentos: Jimmy Cliff no Rock and Roll Hall of Fame
A importância de Jimmy Cliff é chancelada por inúmeras honrarias:
- Grammy Awards: Venceu na categoria Melhor Álbum de Reggae duas vezes: por Cliff Hanger (1985) e Rebirth (2012).
- Rock and Roll Hall of Fame: Em 2010, foi um dos poucos jamaicanos a ser incluído no Hall da Fama do Rock, ao lado de Bob Marley.
- Ordem do Mérito da Jamaica (OM): Recebeu a mais alta honraria de seu país em 2003, em reconhecimento às suas contribuições à música e ao cinema.
Além disso, ele se destacou por diversas colaborações com artistas globais como Rolling Stones, Annie Lennox, Paul Simon, Sting, Joe Strummer e Elvis Costello.
A repercussão póstuma e o legado de resistência
A morte do cantor jamaicano provocou uma onda de comoção global. Artistas brasileiros como Gilberto Gil, Mahmundi e membros do Cidade Negra publicaram homenagens. A imprensa internacional destacou seu papel como pioneiro do reggae e sua atuação cinematográfica.
Suas canções, que carregam mensagens universais de otimismo, resistência e celebração, já registraram um aumento expressivo de execuções nas plataformas digitais, um fenômeno comum que evidencia a atemporalidade de sua obra. Clássicos como I Can See Clearly Now e You Can Get It If You Really Want figuraram entre as mais ouvidas imediatamente após a notícia.
O legado de Jimmy Cliff é imensurável. Ele conseguiu transformar o reggae em uma linguagem universal, influenciando gerações de músicos e cineastas. Em sua última fase, o artista demonstrava o mesmo fogo, mesmo enfrentando problemas de visão, declarando em 2019: “Ainda tenho o fogo ardente que queima intensamente dentro de mim. Ainda tenho muitos rios para atravessar!”.
Apesar da partida, o artista “sai de cena como entrou: iluminando”. O reggae perde um de seus pilares, mas a obra de Jimmy Cliff segue atravessando oceanos e unindo pessoas em mensagens de esperança e transformação.
