Foi preciso esperar sete anos. Sete anos que, para os fãs do Radiohead, pareceram uma era geológica, vivida em um futuro distópico que Thom Yorke já havia profetizado nas letras da banda. Mas a espera acabou. Na noite desta terça-feira, dia 4, a banda britânica encerrou seu hiato de shows na Movistar Arena, em Madri, para a abertura da aguardada turnê europeia. E o que vimos não foi apenas um show de reunião, mas o renascimento de uma linguagem musical que ensinou gerações inteiras que a melancolia também pode ser beleza.
Enquanto os membros se dedicavam a projetos paralelos — Yorke e Jonny Greenwood no The Smile, Colin Greenwood com livro de fotos e Nick Cave, e Ed O’Brien e Philip Selway em seus álbuns solos — a pergunta persistia: eles voltariam? Philip Selway, o baterista, deu a pista meses atrás: eles se reuniram para ensaiar “só pela diversão” e sentiram que precisavam “tocar as músicas de novo e se reconectar com uma identidade musical que está alojada profundamente dentro de nós cinco”.
A turnê, composta por 20 shows em apenas cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim), não é apenas uma sequência de datas, mas um evento, um “gesto de reocupação” no cenário da música alternativa.
Radiohead em Madrid 2025: A Estrutura Cênica “In The Round” e o Espetáculo Visual
A primeira surpresa da noite veio com a arquitetura do espetáculo. Radiohead se apresentou no formato “in the round” (palco circular ou 360 graus), algo que não faziam desde que abriram para o Ned’s Atomic Dustbin em 1993. O palco, montado no centro da arena, era cercado por uma imensa tela de LED translúcida, que projetava visuais psicodélicos e distorcidos da banda.
Inicialmente, essa cortina semitranslúcida parecia um “escudo”, velando o grupo nas primeiras músicas. Isso adicionou uma espécie de tema de “desvendamento” ao show, com a barreira se levantando lentamente. No entanto, a banda se certificou de que a experiência fosse justa para todos: Thom Yorke se moveu constantemente pela arena, garantindo que o público de todos os lados tivesse a chance de vê-lo.
Acompanhando o quinteto, estava o baterista adicional Chris Vatalaro, que se juntou a Phil Selway para dar uma “força colossal” à seção rítmica, especialmente em faixas como Bloom e Ful Stop.
Onde o Radiohead Vai Tocar em 2025? (Datas e Cidades da Turnê Europeia)
A turnê de 2025 é composta por 20 datas distribuídas em quatro noites em cada localidade, permitindo ao grupo explorar variações de setlist:
• Madrid, Espanha: Movistar Arena (4, 5, 7, 8 de Novembro).
• Bolonha, Itália: Unipol Arena (14, 15, 17, 18 de Novembro).
• Londres, Reino Unido: The O2 Arena (21, 22, 24, 25 de Novembro).
• Copenhague, Dinamarca: Royal Arena (1, 2, 4, 5 de Dezembro).
• Berlim, Alemanha: Uber Arena (8, 9, 11, 12 de Dezembro), onde a turnê se encerra.
O Setlist Aberto: Como Radiohead Escolheu 70 Músicas Para Rodar?
A grande promessa desta turnê não era apenas a reunião, mas a imprevisibilidade. Thom Yorke enviou à banda uma lista inicial de 65 músicas para o repertório, e Colin Greenwood revelou que o grupo adotou uma “abordagem meio de artista de rua” em relação ao setlist, reduzindo para cerca de 70 músicas em rotação.
A banda está determinada a variar o setlist a cada noite. Na estreia, foram 25 canções, abrangendo quase todos os nove álbuns de estúdio, com exceção notável de Pablo Honey.
O show começou de forma simbólica com “Let Down”, faixa que o próprio Yorke lutou para não incluir em OK Computer 28 anos atrás. A música, no entanto, ressurgiu recentemente, viralizando no TikTok e voltando às paradas americanas, mostrando que a Geração Z também tem seu lado “histérico e inútil”.
Qual Foi a Maior Raridade do Radiohead Tocada em Madri?
Se Let Down foi um aceno ao presente viral, o grande presente para os fãs veteranos veio com “Sit Down. Stand Up.”. Esta faixa de Hail to the Thief não era tocada há 21 anos (desde 2004), marcando um retorno monumental.
O álbum Hail to the Thief (2003) teve um destaque inesperado, com seis músicas no setlist, incluindo 2 + 2 = 5, The Gloaming, Myxomatosis, A Wolf at the Door e There There. O destaque ao álbum faz sentido, já que a banda lançou recentemente o álbum de arquivo Hail to the Thief (Live Recordings 2003-2009).
Outra raridade resgatada foi “Subterranean Homesick Alien” (do OK Computer), que não era performada desde 2017. O show misturou esses deep cuts com hinos obrigatórios como Paranoid Android, No Surprises e a catártica Karma Police no encerramento.
Análise da Performance: A Magia de Thom Yorke e a Força da Banda
A performance de Madrid foi descrita como “transcendente”. Apesar de alguns problemas de mixagem no início, com o volume da voz de Thom Yorke um pouco baixo, o som se ajustou, e a banda estava “fan-fucking-tastic”. Músicas como Bloom, Myxomatosis e Bodysnatchers foram descritas como “absolute bangers ao vivo”, com Weird Fishes/Arpeggi sendo executada de forma complexa e perfeita.
Thom Yorke, que já está com a barba grisalha de “lobo marinho” (quase 60 anos, mas “vivo como o inferno”), manteve-se fiel à sua persona enigmática. Ele interagiu pouco, apenas proferindo um “Gracias” e um lacônico “Fair enough” antes do encore. Em um gesto de puro Yorke, ele se agitou e dançou do seu jeito único, com os braços “vagando pela água invisível”, parecendo uma “criança frenética e entusiasmada”.
Os críticos notaram que a banda tocou como se estivesse lá principalmente para se divertir. E essa alegria em se reconectar foi sentida pelo público, que viu Colin Greenwood e Jonny Greenwood se aproximarem para tocar juntos, e Ed O’Brien conectando-se com a plateia. Foi uma confirmação: o Radiohead não precisa fazer esses shows; eles são um presente para os fãs.
O Hiato de Sete Anos: O Que Aconteceu com o Radiohead entre 2018 e 2025?
A pausa de sete anos, a mais longa na história de três décadas da banda, não foi apenas por tédio criativo. A decisão de parar em 2018 foi uma questão de sobrevivência emocional.
Thom Yorke confessou que “as engrenagens se soltaram um pouco” (“the wheels came off a bit”). Ele precisava de tempo para lidar com a morte de sua primeira esposa, Rachel Owen, em dezembro de 2016. O luto estava se manifestando de maneiras que o fizeram sentir que precisava “afastar isso”. Para ele, a música, que costumava ser um refúgio, estava “literalmente doendo. Fisicamente”.
O guitarrista Ed O’Brien também revelou que estava “efetivamente cansado do Radiohead” em 2018, sentindo-se “desconectado, fodidamente exausto”. Ele passou por uma depressão profunda, atingindo o fundo do poço em 2021. A volta foi um reencontro com o amor pelos companheiros de banda.
Radiohead Lançará Novo Álbum Após a Turnê? Thom Yorke e Jonny Greenwood Respondem
Se a turnê é uma celebração de uma obra vasta, o material inédito, por enquanto, fica de fora. Colin Greenwood adiantou que, talvez pela primeira vez, a turnê não teria “material novo para tocar como trabalho em andamento”.
E o que vem depois de Berlim, em dezembro? Jonny Greenwood foi direto: “Nós não pensamos além da turnê”. Thom Yorke completou, com a modéstia de sempre: “Estou pasmo por termos chegado até aqui”.
A única certeza é que, em um mundo cada vez mais previsível e fragmentado, o Radiohead reacendeu o espírito da música alternativa, lembrando-nos que, mesmo após o silêncio mais longo, a inquietação e a beleza melancólica da banda continuam vitais.
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Setlist Completo do show do Radiohead (4 de Novembro de 2025, Madri)
| Set Principal | Encore |
| 1. “Let Down” | 19. “Fake Plastic Trees” |
| 2. “2 + 2 = 5” | 20. “Subterranean Homesick Alien” |
| 3. “Sit Down. Stand Up” | 21. “Paranoid Android” |
| 4. “Bloom” | 22. “How to Disappear Completely” |
| 5. “Lucky” | 23. “You and Whose Army?” |
| 6. “Ful Stop” | 24. “There There” |
| 7. “The Gloaming” | 25. “Karma Police” |
| 8. “Myxomatosis” | |
| 9. “No Surprises” | |
| 10. “Videotape” | |
| 11. “Weird Fishes/Arpeggi” | |
| 12. “Everything in Its Right Place” | |
| 13. “15 Step” | |
| 14. “The National Anthem” | |
| 15. “Daydreaming” | |
| 16. “A Wolf at The Door” | |
| 17. “Bodysnatchers” | |
| 18. “Idioteque” |
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A volta do Radiohead é como um antigo relógio suíço, complexo e deixado de lado por anos, que volta a funcionar com uma precisão assustadora e um som que ressoa mais forte do que nunca. Não precisavam provar nada, mas provaram que são insubstituíveis.
